quarta-feira, 30 de março de 2011

7. Desmotivação, um risco permanente

Motivação e desmotivação, vontade e falta de vontade, ânimo ou desânimo, são questões presentes em todas as profissões. Como diz Divaldo Pereira Franco, não existe o indivíduo linha reta. Todos temos nossas crises, nossas provações, nossas questões existenciais. Portanto, com certeza está também presente na realidade de juízes, médicos, professores, etc.

Mas nossa  atividade tem algumas peculiaridades práticas que temos de reconhecer para ficarmos menos vulneráveis à desmotivação .
 É repetitiva, sem possibilidade de ascensão profissional, confronto constante, alta exigência e baixo reconhecimento nos êxitos. Todos sabemos disso, e comentamos nas centrais e salas de oficiais. Mas vamos trazer à tona:
Repetitiva: não importa quantos mandados cumpramos, na outra carga terá mais uns quantos. Podemos zerar para sair de férias, haverá mais um monte nos esperando. E não muda muito, mesmo que mudemos de cidade, bairro ou tipo de vara. Não há término  de fases ou ciclos.
Sem ascensão profissional:  cumpriremos mandados até a aposentadoria, da maneira repetitiva que citamos acima, ocupando uma mesma posição hierárquica.
Confronto constante: como  todas as profissões de coerção do estado sobre o indivíduo, temos um grau de stress que, se não reconhecido e trabalhado, pode evoluir para a desmotivação, desânimo e depressão.  Como lidamos com isso? Que emoções estas situações nos trazem?
Alta exigência: nos sentimos com a faca no pescoço, constantemente. “Não posso atrasar, não posso perder prazos, a certidão precisa ser bem feita, os advogados, juízes, escrivães, diretores podem me penalizar por qualquer deslize.”
Baixo reconhecimento nos êxitos: mesmo nos grandes êxitos, nos  mandados especialmente difíceis, estamos sozinhos e podemos contar somente com a nosso sentimento de dever cumprido, no máximo de alguns colegas. Talvez tenhamos “salvado o mundo”, o autor, seu procurador, o juiz, o pessoal da vara, todos estejam satisfeitos com a solução do mandado. Talvez até registrado nos autos esteja. Mas como não chega a nós, quem cumprimenta nossa mão direita, via de regra, é a nossa mão esquerda. Vemos o sofrimento alheio, mas raramente vemos a felicidade de quem se beneficia da justiça.
Não, não somos vítimas. Nem coitadinhos.
Esta é a profissão que escolhemos, para a qual prestamos concurso por nosso livre arbítrio, e na qual permanecemos pela mesma razão. Mas reconhecendo claramente nossas dificuldades e o que sentimos, podemos ir para as perguntas  que podem precaver-nos das crises de motivação:
 O QUE TENHO A APRENDER E A ENSINAR NESTA PROFISSÃO?
 QUAL A MISSÃO EXISTENCIAL E ESPIRITUAL  DO OFICIAL DE JUSTIÇA NO MUNDO E PARA MIM?
“A vida será somente uma questão de nascer, seguir como uma folha na torrente, fazer, fazer, fazer, e depois, desgastado, fraco e encharcado, afundar? E a felicidade? E o contentamento, o tipo mais profundo de felicidade? E o significado? Meu trabalho é um benefício neste mundo?” (de O Redespertar Espiritual no Trabalho, Jack Hawley, 1993, Ed. Nova Era)
Precisamos dar significado ao tempo e à vida que dedicamos a esta profissão (próximo post).
Como complemento, esta mensagem: http://searaespirita.com/audio/momento/viva_melhor.mp3
Paz e Luz! Beto Vasquez

quarta-feira, 16 de março de 2011

6. Nós e os demais agentes do sistema. Problemas?

É lugar comum entre nós a queixa sobre o preconceito de servidores internos e juízes com relação à jornada de trabalho, a maneira como é realizado e o salário dos oficiais de justiça. Sim, isto nos irrita, faz nos sentirmos injustiçados, incompreendidos e excluídos. Travamos uma “guerra”  lá fora, com o mundo e com nossas limitações. Como todo ser humano, gostaríamos de nos sentir acolhidos, compreendidos, respeitados. Afinal, o forum é o nosso “quartel”, é lá que deveríamos nos preparar para as próximas “batalhas”, aurir forças físicas, psicológicas e espirituais.

Por que isso ocorre? A diferença.  A atividade de oficial de justiça é externa, com jornada e salário diferentes. Diferentes, não melhores , nem piores. Quem tem preconceito só vê as vantagens, quem se vitimiza, só as desvantagens, duas visões distorcidas que não percebem que absolutamente todas as situações humanas possuem os dois lados. Nossa condição humana ainda lida mal com as diferenças.
Mas nossa situação não é isolada no mundo, não somos vítimas. Outras profissões externas, públicas ou privadas, também sofrem de preconceito dos trabalhadores internos. Na administração pública, os auditores fiscais e os de contas públicas também sofrem da difamação de que, por trabalharem na rua ou em casa, tem “vida boa”. Na privada, os profissionais de vendas também. Ser diferente, em geral, gera estes sentimentos dos “não-privilegiados” contra os “privilegiados”.
Reagimos: “então por que não fazem concurso para oficial?” Realmente, são raros os casos de servidores que trocam as varas pelo cargo de oficial, o que, inconscientemente, é o reconhecimento de que todo o desgaste emocional, psicológico e espiritual de ser oficial de justiça, para eles, não vale a pena para estes aparentes benefícios.
Para não generalizar, é claro que há colegas internos que não pensam assim, há locais de trabalho acolhedores. Mas, quando não é assim, do que afinal terão inveja e despeito?
Sim, temos uma jornada de trabalho com certa liberdade de horário. Isto, nos tempos atuais, é objeto de desejo de muitos trabalhadores com horário convencional, por significar qualidade de vida.  Este também é um dos fatores que atraem os concurseiros cada vez mais para o nosso cargo. Podemos falar isto abertamente, já é de conhecimento geral.
Poder levar o filho ao médico, resolver um problema no banco, praticar atividade física em um horário intermediário. Em virtude de nossa jornada diferenciada, se nos disciplinarmos, podemos seguir a recomendação de muitos psicólogos e cardiologistas, que é a de dar atenção às diversas áreas de atuação de um ser humano, como o trabalho, a saúde física e mental, a espiritualidade, a cultura, o lazer, a família, a leitura edificante,  etc.  Isto não é “boa vida”, mas uma vida equilibrada, possível de nos dar uma mente sã em um corpo são.
Mas estamos disponíveis 24hs por dia, 7 dias por semana.
Por exemplo, ao atendermos o celular  em resposta a um aviso que deixamos, mais dos que os poucos minutos de atendimento, vestimos a roupagem psicológica de oficial de justiça, o tom de voz, o discurso, as advertências. Recebemos do “cliente”, mesmo à distância, suas angústias, suas mágoas, seu sentimento de injustiça. Depois disso, somos outros em nosso estado mental e espiritual. Nos acostumamos, mas isso tem um custo, principalmente àqueles que tem dificuldade de desligarem-se do trabalho, trazendo  consequências negativas no longo prazo se não soubermos administrar bem. Este é o lado negativo, que aquele que hostiliza sabe muito bem, mas por não lidar bem com suas escolhas e emoções acaba manifestando como inveja e despeito.
Aliás, este tipo de qualidade de vida vinculada à jornada de trabalho também é obtida por outras profissões, como o plantão 12/36 dos trabalhadores da saúde, o 24/72 dos plantonistas policiais, à jornada de 6 horas de algumas categorias, os 15 dias em mar e 45 em terra dos petroleiros, etc.
Somos diferentes, mas não os únicos, e a liberdade que temos (apesar da disponibilidade 24h, muito dura), é uma busca de diversas pessoas. E é extremamente vantajoso para os tribunais. Não fosse a jornada 24hs e o carro pessoal do oficial à disposição, seriam as despesas públicas majoradas significativamente com horas-extra , compra e manuntenção de veículos.
O que isso tem a ver com psicologia e espiritualidade? Nos livrarmos de qualquer tipo de culpa ou raiva por esta diferença, compreendermo-nos para compreender os outros, desenvolvendo um auto-respeito maior e, assim, sendo firmes contra o preconceito, o despeito e a hostilidade.
“Somente optando pelo auto-respeito é que conseguiremos o respeito alheio. Encontraremos nos outros a mesma dignidade que damos a nós mesmos” (2003, Boa Nova Editora, Francisco do Espírito Santo Neto/Hammed, em Os Prazeres da Alma).

Paz e Luz! Beto Vasquez